No mês de agosto, muito se fala sobre a paternidade dos homens negros, especialmente na perspectiva das ausências. É um tema legítimo, mas desta vez escolhemos abordar outro caminho, o do cuidado que existe.
Quando se fala em masculinidade, é bastante comum encontrarmos conteúdos que abordam temas como violência, abandono paterno e ausências afetivas diversas. Também é frequente que as lembranças que alguém possui do pai (quando este é presente) e outras figuras masculinas estejam distantes de conceitos como afeto, carinho, cuidado e companheirismo.
As críticas são válidas e precisam ser feitas, pois é verdade que muitos homens negros, reproduzem padrões relacionados ao abandono paterno ou a um exercício de masculinidade tóxica que, muitas vezes, se direcionam a mulheres e crianças negras. É preciso observar e reconhecer as razões históricas e sociais que estão por trás desses comportamentos, desde a escravidão, a desumanização de corpos negros, a desigualdade racial e social e outros aspectos estruturais; até a falta de referências ou a violência doméstica, em âmbitos familiares. É preciso também transcendê-las com iniciativas diversas, educação e com a construção de outras referências.
Neste sentido, é fundamental ao mesmo tempo dar reconhecimento às masculinidades – e especialmente paternidades – negras que exercem estes papeis sociais, de homem, pai e cuidador, de forma positiva, responsável e bonita.
Afinal, existe um grande número de homens negros que se importam em praticar uma masculinidade “fora do padrão” e, no caso da paternidade, mais postiva para seus filhos, estando realmente presentes e participativos da vida das crianças das quais são responsáveis. São homens negros que se importam com os sentimentos dos filhos, com a qualidade de vida e os cuidados necessários para as crianças e para seus responsáveis, e que desejam quebrar padrões para que a futura geração de crianças negras possa aprender outros modeloes de paternar.
Desafios para paternidades negras
Para um homem negro, paternar em um mundo branco e racista é um grande feito e um desafio diário. Estudo do Instituto Promundo mostra que 65% dos pais negros já sofreram discriminação relacionada aos cuidados que possuem com os filhos.
“É muito difícil ser pai preto, pois além de todos os desafios que um pai encontra normalmente, eu ainda preciso educar meus filhos para conviverem com o racismo”, afirmou um dos entrevistados para o estudo.
“O machismo retira do homem o lugar do cuidado, submetendo-o, erroneamente, como condição natural da mulher. Do homem preto ele retira duplamente, uma vez que o racismo atribui ao homem preto a característica de ‘naturalmente violento’. Romper com o machismo para cuidar e com o racismo para ser pai é uma luta constante do homem preto que deseja paternar por aqui. Parece que o racismo unido ao machismo é uma fórmula quase indestrutível de impedimento para o homem preto exercer paternidade”, afirmaram os pesquisadores do levantamento.
Exemplos de pais negros
“Ser um pai negro, presente, que cuida dos filhos em período integral, dividindo com a esposa todas as responsabilidades da casa e da família, é antes de tudo uma quebra de paradigmas, se levarmos em conta a imagem estereotipada atribuída ao homem negro e, na maioria das vezes introjetada por ele, de um homem irresponsável, mulherengo, machista, que não é capaz de cuidar dos seus filhos”, disse em entrevista ao site Lunetas Josimar Silveira, criador da página Família Quilombo, pais de Akins (12 anos) e Dandara (8).
O relato mostra como é possível adotar uma paternagem preta transformadora que pode quebrar ciclos. É possível fazer contraponto a um modelo de paternidade comum no país, que conta com pais que fogem, literalmente, de suas responsabilidades desde o momento da gravidez da mãe. Que se distanciam dos cuidados dos pequenos e restringem sua participação na vida de crianças apenas em datas comemorativas, ou por meio do pagamento de pensões em valores mínimos estabelecidos pela justiça. Que, por não concordarem com o término de uma relação, buscam prejudicar a vida das mães em diversas frentes, seja via falta de apoio financeiro, pela judicialização – com acusações de alienação parental ou ameaças de perda de guarda, em situações muitas vezes sem respaldo na realidade – ou mesmo pela violência moral e física.
“A despeito de particularidades que envolvem um homem negro, ser um pai presente que quer participar de todas as atividades com os filhos, com a casa, cuidar do relacionamento, é um posicionamento político em relação ao mundo que queremos construir”, controu em entrevista à Folha de S. Paulo o professor de relações internacionais Leandro Ferreira, que já administrou o podcast AfroPai e é pai de Benjamin.